Jejum: o que os santos podem nos ensinar?

jejum

A Igreja considera o jejum como um dos remédios contra o pecado (CIC 1434). Ele fortalece o nosso espírito contra as tentações da carne e do espírito e nos liberta e abre para os valores superiores da alma.

O jejum é a expressão da nossa solidariedade com Cristo, preso, torturado, flagelado, coroado de espinhos, condenado à morte, crucificado e morto.

Finalidade do jejum

O jejum tem como finalidade nos levar a um equilíbrio necessário e ao desprendimento daquilo que podemos chamar de “atitude consumista”, que caracteriza o mundo atual.

O homem orientado para os bens materiais, muitas vezes, abusa deles. Hoje, busca-se, acima de tudo, a satisfação dos sentidos, a excitação que disso deriva, o prazer momentâneo e a multiplicidade cada vez maior de sensações. E isso acaba gerando um vazio no coração do homem moderno; pois sem Deus ele não pode se satisfazer. O barulho do mundo e o prazer das criaturas não conseguem preencher o seu coração.

A criança hoje (e também muitos adultos) vive de sensações, procura sensações sempre novas… E torna-se assim, sem se dar conta, escrava desta paixão atual; a vontade fica presa ao hábito, a que não sabe se opor.

O jejum nos ajuda a aprender a renunciar a alguma coisa. Ele nos faz capazes de dizer “não” a nós mesmos, e nos abre aos valores mais nobres de nossa alma: a espiritualidade, a reflexão, a vontade consciente. Essa prática nos coloca de pé e de cabeça para cima. Há muitos que caminham de cabeça para baixo; isso acontece quando o corpo comanda o espírito e o esmaga. Ou seja, é o prazer do corpo que o comanda e não a vontade do espírito.

É preciso entender que a renúncia às sensações, aos estímulos, aos prazeres e ainda ao alimento ou às bebidas, não é um fim em si mesmo, mas apenas um “meio” que deve apenas preparar o caminho para conquistas mais profundas. A renúncia do alimento deve servir para criar em nós condições para podermos viver os valores superiores. Por isso o jejum não pode ser algo triste, enfadonho, mas uma atividade feliz que nos liberta.

O jejum na ótica dos santos

Os Padres da Igreja davam grande valor ao jejum. Diz, por exemplo, São Pedro Crisólogo: “O jejum é paz do corpo, força dos espíritos e vigor das almas” e ainda: “O jejum é o leme da vida humana e governa todo o navio do nosso corpo” (Sermão VII: sobre o jejum, 3.1).

Santo Ambrósio diz: “A tua carne está-te sujeita (…): Não sigas as solicitações ilícitas, mas refreia-as algum tanto, mesmo no que diz respeito às coisas lícitas. De fato, quem não se abstém de nenhuma das coisas lícitas, está também perto das ilícitas” (Sermão sobre a utilidade do jejum, III. V. VII). 

Já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura, Deus ordena que o homem não coma o fruto proibido: “Podes comer o fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás” (Gn 2, 16-17).

“Comentando a ordem divina, São Basílio observa que ‘o jejum foi ordenado no Paraíso’, e ‘o primeiro mandamento neste sentido foi dado a Adão’ (cf. Sermo de jejunio: PG 31, 163, 98)”, explica o Papa Bento XVI (mensagem para a Quaresma de 2009). Tendo em vista que o homem está ferido pelo pecado e suas consequências, o jejum é proposto “como um meio para restabelecer a amizade com o Senhor”.

O jejum refreia a tagarelice, diz São João Clímaco (Escada, Degrau 14:34).

A bíblia recomenda o jejum

A bíblia recomenda muito o jejum, tanto o Antigo como o Novo Testamento.

 Jesus o realizou por quarenta dias no deserto antes de enfrentar o demônio e começar a vida pública; e muito o recomendou. “Quanto a esta espécie de demônio, só se pode expulsar à força de oração e de jejum” (Mt 17, 20).  Também prescreveu que seus discípulos deveriam jejuar esperando a sua volta, evitando a ostentação e a hipocrisia (cf. Mt 6, 16-18).

“Boa coisa é a oração acompanhada de jejum, e a esmola é preferível aos tesouros de ouro escondidos” (Tb 12, 8). O jejum confere à oração maior eficácia. Por ele o homem descobre, de fato, que é mais “senhor de si mesmo” e que se tornou interiormente livre. E se dá conta de que a conversão e o encontro com Deus, por meio da oração, frutificam nele.

O significado do jejum é carregado de valores cristológicos e sacramentais. Nesse sentido, São Paulo convida a captar o sentido mais profundo do jejum, que vai além do aspecto físico (Fl 4, 12; Rm 14, 6.17; 1 Cor 10, 31; 1 Tm 4, 4-5; 2 Cor 6, 5-6.11-27) para situar-se em uma relação de maior comunhão com Deus, embora castigando o corpo e mantendo-o escravizado.

Aspectos principais do jejum

O jejum é considerado um momento de graça, capaz de fortalecer as virtudes, gerar oração, ser fonte de serenidade e precursor de todas as boas qualidades, e, sobretudo, permite ao ser humano abrir-se para outro alimento: a vontade de Deus (Jo 4, 31-34)

Ele possui estreita ligação com a oração, conta-se somente com Deus (Tb 12, 8; Jz 20, 26; Sl 34, 13); é gesto visível com o qual se pede perdão e misericórdia (Gl 1, 14; 2, 17; Jt 4, 13; Mt 17, 21; Mc 9, 29); é sinal de amor pelos outros (Est 4,16; Sl 34, 13; Didaqué 1, 3); predispõe para uma empresa difícil (Mt 4, 2; At 14, 23; Ex 34, 28; 1 Rs 19, 8; Dn 9, 3.27; 10, 12).

Dessa forma, deve incluir a mudança de vida, segundo uma dupla direção: a autodisciplina e o exercício da caridade espiritual e material (Tb 4, 8). O profeta Isaías chamava a atenção do povo para isso:

“De que serve jejuar, se com isso não vos importais? E mortificar-nos, se nisso não prestais atenção? É que no dia de vosso jejum, só cuidais de vossos negócios, e oprimis todos os vossos operários”. Passais vosso jejum em disputas e altercações, ferindo com o punho o pobre. Não é jejuando assim que fareis chegar lá em cima vossa voz. O jejum que me agrada porventura consiste em o homem mortificar-se por um dia? Curvar a cabeça como um junco, deitar sobre o saco e a cinza? Podeis chamar isso um jejum, um dia agradável ao Senhor? Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? – diz o Senhor Deus: “É romper as cadeias injustas, desatar as cordas do jugo, mandar embora livres os oprimidos e quebrar toda espécie de jugo” (Is 58, 3-6).

Diácono Mário Antônio Caterina

Membro de Aliança

Outros Posts