A ascese é a procura da perfeição

ascese

Pelo termo ascese, que deriva do grego áskesis (= exercício) se entende o conjunto dos esforços mediante os quais se quer progredir na vida moral e religiosa.

No mundo grego, o termo assumiu primeiramente o significado de renúncia física: por exemplo, os atletas e os soldados submetiam-se a privações e a exercícios contínuos para afinar suas capacidades físicas e combativas. A seguir, o termo assumiu o significado de exercício moral, isto é, de autodisciplina; muitas religiões e filosofias antigas ensinavam, com efeito, a luta contra as paixões e os impulsos sensíveis.

Originariamente, o termo ascese indicava qualquer exercício físico, intelectual e moral praticado com certo método em vista do progresso. 

A esse termo ligam-se as palavras: ascética, doutrina relativa à ascese, ou seja, o empenho constante para alcançar uma perfeição espiritual progressiva; e ascetismo, que indica tanto a doutrina como a prática dos ascetas, ou o estado dos que se dedicam a exercícios rigorosos de piedade. A ascese, pois, é a procura da perfeição. Na experiência cristã ela tende à adaptação sistemática de toda a vida do crente à imagem e semelhança de Deus, inscrita na alma no momento da criação; é o esforço para harmonizar a vida com fé por meio de uma morte contínua de cruz. Portanto, ela não é o fim último da vida cristã, mas uma mediação instrumental para alcançar a união com Deus Pai.

Na Sagrada Escritura

Se nos fixarmos na Sagrada Escritura, não encontraremos nela a ideia de método que conduza ao progresso com base em exercícios apropriados. Em compensação, encontramos com frequência a ideia de esforço necessariamente presente em toda a vida moral e religiosa. Com esta ideia se relaciona, de modo especial, o sentido da penitência, necessária à reparação dos pecados e a obtenção de graças particulares. A pessoa de João Batista representa justamente uma corrente de vida espiritual fundamentada na austeridade de vida.

No NT, com São Paulo, o acento desloca-se para a luta espiritual que o cristão deve empreender, tanto na vida pessoal, quanto na apostólica; a vida cristã é luta e combate: “Não sabeis que aqueles que correm no estádio, correm todos, mas um só ganha o prêmio? Correi, portanto, de maneira a consegui-lo. Os atletas se abstêm de tudo; eles, para ganhar uma coroa perecível; nós, porém, para ganhar uma coroa imperecível. Trato duramente o meu corpo e o reduzo à servidão” ( 1Cor 9, 24-25.27).

Em consequência, Paulo exorta seu discípulo a comportar-se como bom soldado: “Assume a tua parte de sofrimento como bom soldado de Cristo Jesus” (2Tm  2, 3). Ao exortar assim Timóteo, nada mais faz senão aplicar-lhe as palavras do próprio Jesus: “Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24). O esforço cristão se converte, pois, em abnegação, renúncia, aceitação do sofrimento. Para o discípulo de Cristo, a palavra ascese evoca todos esses aspectos.

Liberdade e responsabilidade

Deus criou o homem dotado de razão e lhe conferiu a dignidade de uma pessoa agraciada com a iniciativa e o domínio de seus atos. “Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão” (Eclo 15,14), para que pudesse ele mesmo procurar o seu Criador e, aderindo livremente a Ele, chegar à plena e feliz realização. A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, portanto, de praticar atos deliberados. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe sobre si mesmo. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança.

Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu bem último, que é Deus, a liberdade comporta a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, portanto, de crescer em perfeição ou de definhar e pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor ou repreensão, de mérito ou demérito.

Quanto mais pratica o bem, mais a pessoa se torna livre. Desse modo, não há verdadeira liberdade a não ser a serviço do bem e da justiça. A escolha da desobediência e do mal é um abuso de liberdade e conduz à escravidão do pecado (Rm 6,17).

A liberdade torna o homem responsável por seus atos, na medida em que forem voluntários. O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade sobre seus atos.

 Suas formas

A ascese cristã tem duas formas complementares de se apresentar: a renúncia a tudo o que pode obstaculizar nosso pleno seguimento de Cristo, nossa plena participação no mistério pascal e nossa esperança escatológica e a segunda, que é a mortificação daquilo que em nós não é ainda plenamente cristão. Assim, exige de nós atos concretos:

 

  • Fuga das coisas do mundo, que com suas comodidades coloca obstáculo à nossa vocação cristã.
  • A oração tem papel fundamental. Se ascese é exercício e luta, coincide com a própria vida cristã, que é vida de oração. Este diálogo de amor com quem sabemos que nos ama é próprio da ascese e nos mantém sob o auxílio da graça.
  • O trabalho, que além de nos solidarizar com o mundo, nos faz colaboradores de Deus.
  • O silêncio, que é manifestação essencial do recolhimento interior.
  • Ascese corporal, que inclui jejum e penitência, e sacrifícios corporais, das quais é necessário fugir de todo o excesso, que mais escraviza do que liberta.
  • A obediência, ascese fundamental na vida de todo o cristão, para real seguimento de Jesus Cristo.
  • A pobreza, vivida por Jesus e oferecida a nós para evitar a escravidão da riqueza.
  • A pureza de coração como identificação com Cristo, até o esvaziamento supremo de si mesmo para plenificar-se Dele.

Além disso, devemos buscar a prática da esmola, do jejum e da oração em nossa vida cristã. Dessa forma, nos uniremos mais a Cristo.

Diácono Mário Antônio Caterina

Membro de Aliança

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